Fragmentos de mim: Um chá de semancol

domingo, 21 de outubro de 2018

Um chá de semancol

Algo errado não está certo. São muitas coisas que estão fora do lugar ou que simplesmente não existem. A começar pelo coração e pelo caráter de uma massa. 
Desde que me entendo por gente tenho contato com ódio de classes, falta de consciência de classe, discriminação. Algo está muito errado quando as pessoas acham que pobre não é gente, quando as pessoas têm vergonha de assumir de onde vieram e quando o fazem, são julgadas como vitimistas ou negativas. 
Esse ódio ao pobre e às possibilidades de ele galgar degraus em direção à superação das próprias dificuldades é a coisa mais bestial que existe. E eu sei a dor disso. E eu estou com muita raiva disso!
Esses dias, fui tristemente surpreendida com a observação de uma pessoa amiga. Segundo a pessoa, fui interpretada como alguém que se autodeprecia. Estou me lixando para o que acham de mim, mas vejo nessa interpretação de minhas ações um problema muito grave: alguém que se supera e que não tem vergonha de ser quem é alguém que se autodeprecia? O que sabem de mim para falarem uma merda dessas?
Olha só, vamos conversar sério aqui. Deixa eu te falar umas coisinhas... Vai ser só um resuminho...
Nasci numa maternidade, (a primeira da região, pois todos os partos naquela época eram feitos em casa e depois de mais de dois dias de contração, minha mãe ia morrer, então tomaram a atitude desesperada de levá-la à cidade). Imaginem a decepção: eu não era "perfeita". Vivi os primeiros anos da vida isolada numa área rural, cercada de muitas carências, ouvindo as mais perversas frases de preconceito, incluindo coisas do tipo: "se tivesse morrido depois de batizada (religião em primeiro lugar, né?) não faria a menor falta. Afinal não é perfeita."  Só nunca soube o que é carência de Amor. Tive e tenho o melhor pai e a melhor mãe do mundo, que independente de seus conflitos, sempre me amaram sem ressalvas. Até hoje, idosos e cansados, brigam com o mundo para me defender de uma maneira que ninguém mais faria. Eu sei que eles têm orgulho de mim e eu também tenho.
Sou feminista, defensora e protetora de animais, luto pela democracia, sou politizada, espiritualizada, responsável pelos meus atos. Sim, sou uma mulher forte da "poha" e, sim de novo, é um privilégio me ter por perto, porque eu nunca vou ver uma pessoa se ferrar sem fazer tudo que puder para salvá-la antes.
Eu sou a única sobrevivente de uma prole pequena. Sempre tive inteligência acima da média dos que me rodeavam e estou certa de que essa foi a única razão por que muitos me suportaram. Era conveniente me terem por perto. Já fui expulsa da casa de gente que se achava superior e que queria me "colonizar". Deixaria que me expulsassem outras mil vezes, mas não abro mão de minha dignidade.
Então, agora, aguentem. Não serei modesta!
Eu estudei, saí do mato e levei a família junto, fui a primeira daquela região a concluir o nível superior e o fiz com excelência, não sei o que é fazer um vestibular ou um concurso e não passar ou não atingir um ótimo resultado, embora não tenha o menor medo de fracassar. (Já fracassei em outros setores da vida) Sou uma boa profissional, com falhas, mas me garanto muito bem no que faço. 
Desconheço a sensação de tentar aprender algo e não conseguir. (Sei que mais cedo ou mais tarde ela virá, mas não tenho medo. Quebrar a cara é uma delícia. Afinal, a gente monta de novo e do jeito que quiser)

Tenho perto de mim os melhores. Poucos, mas os melhores. Nunca fiz questão de quantidade e continuo não fazendo.

O que chamam de autodepreciação é vitória, autoamor, autossuficiência. Então, se você ainda não venceu na vida, porque nem num vestibular passou ainda, ou está infeliz com as escolhas que fez, apesar de dispor de todas as regalias para garantir sucesso, não venha falar do que nem sabe que existe. Para de passar vergonha com esse seu ódio nojento de classes, que na verdade, só evidencia sua falta de capacidade de chegar onde cheguei.
"Ah, e por que ainda não está rica?", "Ah, isso é mimimi....", "Ah, já deveria ter feito ou conquistado tantas e tantas coisas." "Ah, deveria carregar mais na maquiagem"... e blá, blá, blá... Estou onde eu escolhi estar. Se as escolhas não estão certas, o problema é meu. Cuidem da vida de vocês.






3 comentários:

  1. Amei... Me surpreendi... Com texto! Nossa meu... Muito profundo. Isso prova que todo prejulgamento é um ato de matar o outro! Cheruuu! Admiro!

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