Fragmentos de mim: agosto 2017

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Ele, nós

      Ele está quieto. Não reclama, não faz barulho. Ninguém além dele mesmo é capaz de mensurar as dores que sente e, mesmo assim, permanece quieto.
    Preso em um pequeno ambiente, ali recebe água, comida, medicamentos. O atendimento mais específico ainda não chegou, mas em breve chegará. Ele não sabe disso e, mesmo assim, permanece quieto.
   O ambiente em que se encontra não é o melhor. É claro que ele merecia algo melhor, mas no momento, isso não é possível. É certo que ele gostaria de estar livre e, mesmo assim, permanece quieto.
   Não é possível imaginar o que se passa em sua cabeça inocente, o que e quem reside em sua alma inocente de anjo. O mundo já lhe fez muito mal e, mesmo assim, ele permanece quieto.
      Sim, está quieto, não reclama, não se rebela. Sua atitude silenciosa e passiva é interrompida apenas quando esporadicamente recebe visitas, que o acariciam e alimentam. Assim permanece o Zé, o cãozinho adulto com a pata fraturada  a remexer sacolas de lixo quando foi encontrado. 
    Minha alma cheia de malícias certamente não me permitiria tanto silêncio, passividade (ou confiança?) diante uma pessoa desconhecida que o prendeu. Sim, a prisão foi para o bem dele. Está alimentado, mas certamente ainda sente dores e não faz a menor ideia do que está acontecendo. Ele está seguro agora, mas não tem como saber disso. Assim como foi "capturado" para ser cuidado o poderia ter sido (como inúmeros são) para ser torturado e morto e isso torna seu silêncio e confiança ainda mais fantásticos. O cãozinho não abre mão de si, independente de quem o esteja guiando. Seja para ser amado ou para ser morto, ele é um só. 
     Tão diferente de nós, não é mesmo? Tão superior a nossa é a capacidade dele em ser apenas ele mesmo. Sua pureza, sua inocência torna-o ao mesmo tempo forte e vulnerável. Forte, pois suporta o desconhecido com autenticidade; vulnerável, pois a força destrutiva do mal se aproveita da bondade para, sacrilegamente, profanar o que é puro. Ele é a natureza em nossas mãos. A Mãe Terra assim também age, não por inocência, mas por autenticidade, por poder. No que ela se transformará denunciará o que estamos fazendo a Ela hoje. 
     Nós temos a liberdade de escolher entre a coragem de contribuir para a lenta e salvadora força da vida e a cruel e instantânea força da morte, que por sinal é covarde, pois precisa ferir o frágil, abandonar o vulnerável, vilipendiar o nobre, por não ser capaz de seguir-lhe os passos e querer ser forte. O mal encontra sua força na fraqueza alheia, na covardia. O Bem demonstra sua força em fortalecer o fraco, levantar o caído, acolher o abandonado, consolar os desesperados, portanto, mostra quem é a partir da coragem e da paciência.
 Sarar uma ferida é sempre mais lento e trabalhoso do provocá-la. 
Escolhamos, então, a coragem. De covardes o mundo já está cheio!