Fragmentos de mim: dezembro 2020

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Nós e nossos corpos...

Sempre que eu falo nesse assunto, vem alguém em comentários ou em off bancar o psicólogo e dizer que sente a dor das mágoas que trago no peito...

Não, gente, para... peraí que o foco não são minhas dores e minhas mágoas. Elas existem sim, mas isso é o de menos (bem menos mesmo)

Mas a questão é que em uma época em que há tanta militância necessária para que as pessoas se aceitem e aceitem as outras, há,  simultaneamente, tanta exclusão, tanta fuga para "longe" de quem,  de alguma maneira, possa fazer com que sejamos foco de comentários do tipo: "pô, bicho, cê tá pegando aquela mina feia?" Ou então, "véi, com tanta mulher no mundo, tu escolhe aquela gorda?" Ou ainda, "o que tu tá vendo naquela deficiente?" Ou ainda: "deixa eu me esconder para que ninguém me veja falando com aquele/aquela deficiente".


Cruel, né? Mas antes de achar cuel, é importante que a gente pergunte a si mesmo/mesma se, em alguma circunstância não faria igual...

Quantas vezes você já se afastou  de alguém por receio de que seus "amigos" vissem que você  tem amizade ou relação com alguém fora dos padrões? Quantas vezes você deixou de assumir uma relação com uma pessoa legal por isso? Quantas vezes você se achou bonito/bonita demais para se relacionar com alguém que tem uma limitação ou característica física peculiar?

Não adianta dizer que isso é bobagem, porque eu sei, de cátedra, que não é. A gente sente quando alguém se afasta por isso. É um sentir paradoxal, porque ao mesmo tempo em que a gente agradece que um abutre caiu fora da nossa vida, a gente se entristece sim, por ser reduzido/reduzida à imagem...

Poxa, gente, todo corpo fica velho; qualquer corpo pode vir a tornar-se deficiente ou com limitações. Nada nos pertence além do que somos em termos de alma. A gente esquece que o corpo é só uma roupa que a alma veste e que, como toda roupa, se desgasta, pode rasgar...

Estou escrevendo isso com autocrítica de quem sabe que ser vítima de preconceito não me torna imune a ser preconceituosa, com uma ferida no ego de quem percebe o afastamento de quem se sente bonito demais e com a tristeza de perceber que enquanto humanidade, mesmo num contexto de pandemia, ainda somos tão limitados, ainda caímos feio por tão pouco.

Se não me engano, Chico Xavier, em palavras de seu mentor espiritual, escreveu que "às vezes, é preciso enfeiar o corpo para embelezar a alma". Sinto-me privilegiada por ser uma dessas pessoas, embora eu não me ache necessariamente feia. Mas é fato que não sou padrão. Contudo,  creio que deva ser muito triste não saber se alguém nos aceita pelo dinheiro, pela beleza ou pelo coração. 

Em tempos de vida de vitrines, é preciso lembrar que não somos mercadoria, não somos troféus, somos corações, mentes e sentimentos...