Fragmentos de mim: 2015

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

dos opostos que se completam

Porque não se pode saber o valor do Amor sem a dor,
Sem a guerra, facilmente se banalizaria a pureza da paz.
O que seria da leveza e paz do sorriso sem a dor das lágrimas?
O que seria da saúde sem a doença?
Não houvesse a tortura e ninguém saberia da necessidade do carinho...

É assim com o espinhos...
Vislumbramos as flores, seu perfume e beleza
Mas repudiamos o seu espinho.
Preciso é passar por ele para, vencendo-o, tocá-la,
Sentir sua delicadeza e leveza...

Assim também o somos: Uma rosa cercada de espinhos por todos os lados.
Espinhos que nos preservam,
Espinhos que nos protegem,
Espinhos que nos abraçam
Espinhos que nos guardam de todas as ameaças...

Como é injusta a vida para com os espinhos!
Em nossa ânsia de cultivar a beleza da flor, repudiamos quem a guarda
E o faz com tal nobreza, que aceita com o silêncio dos nobres
Toda a injustiça que sobre si recai.
Não fossem os espinhos, não haveria conservada a beleza da flor...

Porque somos tolos demais para entender o Amor sem a dor.
Porque nossa alma é imperfeita demais para compreender que o Bem é puro.
Porque nossa alma é pequena demais para compreender os espinhos que nos afastam das rosas...
Porque não se pode saber o valor do Amor sem a dor...

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Onde ficou a simplicidade?

Viver, conquistar, resolver, correr... ai, são tantos os verbos a conjugar no dia a dia que, assim mesmo, sem perceber a gente vai se perdendo e deixando de conjugar o mais essencial: SER.
Foi durante a leitura de um livro, que há muito clamava por ser lido, que encontrei algumas considerações a cerca do ser simples. Há necessidade de ser simples, visto que a complicação na qual costumamos a embalar nossa vida nos torna, por vezes, insuportáveis. Mas daí eu me pergunto: Onde ficou a simplicidade de meus dias? Aonde foi parar? 
É bem verdade que, no auge de minhas complicações, esqueci de como ser simples. Talvez tenha mesmo me esquecido de como SER. Há uma necessidade extrema de estar certo, um medo extremo de ser enganado, um terror absurdo de ser exposto ao ridículo... Pouco a pouco começamos a achar natural que todos sejam inimigos ou queiram o mal. Pior de tudo isso é que isso se torna normal. É tão doentio que vira rotina. Vivemos tão armados contra o mundo que esquecemos de vivê-lo, perdemos o sabor das coisas, perdemos a sintonia com o simples. Esquecemos que cada um é como é e para tudo há seu tempo. 
Exigimos tanto de nós mesmos e, consequentemente dos outros, que nos esquecemos de quem somos. Nos perdemos entre o real - negado e negligenciado - e o ideal, eternamente inatingível, visto que prescinde que saremos as mazelas reais - cuja existência insistimos em negar. E feito doentes - ou doentes, de fato - nos entregamos à loucura de tentarmos convencer a nós mesmos e aos outros de que somos algo que, no fundo, sabemos que não existe. Pior, queremos impor nossas pseudoverdades como se fossem máximas universais contra as quais ninguém tem poder de lutar e/ ou mesmo argumentar. Complicamos tudo, cansamos as relações com os outros e nos desgastamos inutilmente numa busca mentirosa, que nos leva à negação de nossa essência.
Onde está a simplicidade? Como, então, não confundi-la com inércia ou mediocridade? Como nos livrar dos excessos das complicações nossas e alheias? Talvez o primeiro passo seja o "profundo exercício de desaprender" proposto pelo mestre Alberto Caeiro, via versos de Fernando Pessoa. Talvez devamos mesmo iniciar por despir a alma de tudo o que nos ensinaram (e em que fingimos acreditar por mero comodismo) e passar a aceitar como naturais apenas - não superiores ou inferiores - todas as formas de ser e pensar, sem obrigação de absorvê-las. Talvez devêssemos pensar menos e sentir mais o mundo, degustá-lo mais; Ter a alma - ou a mente, para quem não acredita em alma - receptiva ao novo, ao desconhecido, sem julgamentos prévios, entregando-se ao deleite de saborear cada um, bem como ao direito de cuspir e de aceitar ser cuspido, caso o sabor não agrade. 
Mas, é possível que para isso, seja preciso estarmos abertos à possibilidade de despertarmos os sentidos da consciência, não a consciência do mundo hipócrita que nos rodeia, mas a nossa, pautada numa visão honesta do que somos, buscando compreender as coisas com o mínimo de maldade possível e com a certeza de que podemos, sim, estar errados, vez ou outra, ou em boa parte das vezes...
Andar de peito aberto, sem impor, mas aceitando e respeitando que a cada um cabe o direito de nos aceitar ou não e que nós também temos esse direito, que não é preciso brigar para isso... enfim, ser simples talvez exija de nós um exercício de autodescoberta e autoaceitação.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Cansaço...

           Cansaço é a palavra. Impossível iniciar o texto com outra que não fosse essa. Mas cansaço de quê? De tudo. E de tudo um pouco. Já dizia o poeta que quem dividiu o ano em doze partes, sabia bem o que estava fazendo, pois doze meses é mais que suficiente para cansar qualquer um. E de alguma maneira, a gente precisa dessa ilusão de renovação que um ano novo traz. 
           É verdade, eu concordo... mas concordo também que há cansaços que a virada do ano não leva, que uma boa noite de sono não cura, que um banho longo não lava. Nada limpa uma alma pesada, nada sara uma ferida cujo sangue está dentro, mas tão dentro do próprio eu que a gente chega a sentir que não é dor... há dores eternas, há cansaços eternos... eternos até que um grito de coragem seja capaz de nos tirar de nossa aparente zona de conforto. 
            Digo aparente porque não há conforto na dor nem na solidão. Ninguém pode ser feliz carregando pesos dos quais gostaria de se livrar. Ninguém pode estar leve protelando decisões que precisa tomar, reviravoltas que necessita provocar. E quanto mais se protela, mais infeliz e cansado se torna. Contudo é preciso muita coragem... as prisões do mundo nos tornam o profissional ideal, a mulher ideal, a mãe e a esposa ideal, o marido dos sonhos e por aí vai... e assim a gente vai levando, conquistando tudo que qualquer um gostaria de conquistar e sendo tudo que qualquer um gostaria de ser... menos o que gostaríamos de ser e ter, de fato.
               E por medo de dizer "não", a gente diz "sim" e se cansa. E por medo de abrir as portas da vida e deixar ir, a gente prende a própria alma em ilusões que apodrecem dentro de nós e nos deixam sem cor. E a gente protela, protela... até perder. Perder um grande Amor por medo de arriscar ou porque para tê-lo, seria necessário suportar muitas perdas, até mesmo a de si mesmo, por admitir não ser o que pensava... e a gente vai morrendo de cansaço, carregando o peso de não dizer "Ah, como eu te amo", paralelamente ao terror de carregar o que pesa, mas que parece conveniente. 
             Há momentos de descansar, então que se descanse. Sem esperar o ano novo, pois pode ser antes disso. Sem esperar deixar de respirar, pois se morre da pior morte cada vez que se nega ser o que alma grita. Sem esperar deixar de existir para poder dizer "Puxa, como eu te amo... não há um dia em que não sinta a sua falta". Bem, pode ser que a resposta seja o silêncio, mas o descanso da liberdade do falar vale a pena. Afinal, o melhor do Amor é amar. A necessidade de ter fica a cargo de nossas fraquezas.

domingo, 1 de novembro de 2015

Eu não vou sujar meu salto!

A frase saiu despretensiosa em meio um a turbilhão de reflexões. Mas saiu. E em tom arrogante. Logo eu, que detesto frescura, agi como uma fresca completa. Chegou a ser engraçado e agora, soa-me interessante a quantidade infinita de sentidos que ela representa para mim. Hoje, lembrando da frase, fui automaticamente arrastada ao passado. Um passado remoto se eu considerar a verdadeira Odisseia que tem sido minha existência nos últimos quase 20 anos.

Nessa época, eu nem sabia usar saltos, na verdade. Fui uma adolescente estranha e entre as coisas que mais me deixava desconfortável, era abandonar meu jeans, camiseta e tênis, para trocá-los por um salto. Sentia-me uma pata. Bem, mas a recordação do passado, por mais que pareça absurda, de alguma forma, na minha cabeça, se relaciona a não querer me sujar. Ah, mas eu já me sujei muitas e muitas vezes nessa vida. A recordação de agora envolve minha avó.

Ela havia ficado viúva e, desde então, morava sozinha. Eu me esforçava para ficar com ela o máximo possível. Era uma pessoa de personalidade forte, não admitia as próprias fraquezas, nem as fragilidades a que todo ser humano está sujeito em algum momento da vida. É certo que não teve uma vida fácil, que muitas vezes havia se sujado na vida: na roça, para sustentar os filhos a custo de muito trabalho pesado... A vida havia feito dela uma rocha e estava fazendo o mesmo comigo, já fazia um bom tempo. Bem, mas o fato é que naquela manhã ela não havia acordado bem e, a custo, admitiu que não conseguia se levantar. Sentiu necessidade de ir ao banheiro e me chamou. Não deu tempo e aquela mulher forte havia "se sujado"...

Fiquei sem saber o que fazer. Eu tinha nojo, mas ao mesmo tempo, tinha o dever moral e, acima de tudo, humano, de abraçá-la, consolá-la e fazer o possível para que não se envergonhasse tanto, pois eu haveria de limpar tudo, dar-lhe banho e deixá-la o mais confortável possível. Era muito difícil para mim. Já havia me sujado muitas vezes na vida, mas naquele dia era diferente. Era a dignidade dela que me reclamava atenção e eu não pensei duas vezes. Abracei-a e não sei com que força e inteligência, em poucos minutos, tudo estava o mais confortável e limpo possível para ela. No mais, restava-me que minha mãe se preocupasse e viesse nos ver, já que não tínhamos os recursos que temos hoje...

Sujei-me, mas de uma sujeira que a água lavou depois de alguns minutos. Naquele momento, o que eu precisava manter limpa era a minha dignidade e a dignidade dela, ainda envergonhada e fragilizada. Bem, eu já havia me sujado outras vezes, de terra, na roça, cavando a terra com as mãos para enterrar ali uma muda numa plantação de fumo, por exemplo. Aquilo já havia me enchido de vergonha, muitas e muitas vezes, na escola. Eu tinha mãos feias, sujas, encardidas. Era xucra demais, mas diante de meus próprios olhos, eu nunca tive vergonha de ser eu e, de alguma maneira, eu sabia que não seria daquele jeito para sempre. Eu sabia que as roupas velhas e puídas, as mãos encardidas e o andar deselegante dariam lugar ao que o meu espírito sempre foi: exigente e de gostos refinados.

A verdade também é que eu nem sabia o que significa dignidade. Isso eu só vim descobrir depois de muitos outros acontecimentos. Minha avó ainda ficou conosco por mais uns cinco anos. Nos ensinou muito e aprendeu muito. Ainda hoje sonho com ela, sempre na casa antiga, no alpendre em que ficávamos conversando por horas... naquela época eu não estudava, não tinha internet, nem celular. Era sempre eu, ela e os livros, que me permitiam sair dali e mergulhar nas histórias de outros países, experimentar as sensações de ter uma vida diferente, de observar as coisas e de não entender tantas outras, que só vim entender há pouco tempo...

Mas... o que tem tudo isso a ver com o salto? Bem, não sujar o salto para mim significa muitas coisas, dentre elas, "você não sabe o que vivi para estar hoje sobre um salto, não me macule, pois eu não permito". O salto sou eu, é minha dignidade que eu não deixei sujar quando abracei tantas e tantas vezes a minha avó, o meu irmão, os meus animais. O salto sou eu quando, mesmo aos olhos alheios estando para trás, ignorada ou humilhada, percebo que só eu tenho o poder de decidir se as atitudes dos outros me magoarão ou não. O salto sou eu, quando digo: Chega!! Eu não permito que maculem a minha alma, porque até subir num salto eu tive que andar muitos quilômetros a pé e me sujar muito na vida.

Então, é isso, eu não vou sujar meu salto, mesmo quando estiver descalça, calada ou cabisbaixa, porque só eu conheço a minha história. Não se trata de vitimismo hipócrita, mas de decência. Até porque não tenho postura de vítima e acho que se tem algo bom nessa vida é não ter medo de se sujar, de cair na chuva, andar a pé, chafurdar na merda se for o caso. Se a causa valer a pena, a água lava o resto. Só não lava caráter sujo, nem limpa consciência pesada.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Sobre mapas e arrepios

A quem é dado o poder de desenhar a alma alheia? A quem é dado o direito de traçar mapas da alma do outro? A ninguém. Sentimentos e pensamentos são terrenos particulares demais para permitir que alguém os conheça a fundo. E não falo aqui de falta de amor... Afinal, seja a falta, seja a sobra do amor, a ninguém mais interessa senão a quem o sente. 

A quem interessa se ardo de paixão ou mofo de solidão? Se morro de amores ou, simplesmente, sou indiferente? E é esse mistério que faz das pessoas interessantes. Não teria a menor graça não mudar, ter desnudada a alma para qualquer um conhecer. Os misteriosos me fascinam e a eles dedico horas e horas de pensamentos - para não dizer, devaneios... E absinto-me dos arrepios que me causam a simples possibilidade da aproximação. Há pessoas marcantes demais para não serem conhecidas, desnudadas, exploradas...

A quem interessa que eu não mude? Quem ganharia com isso? Que importa? Importa que trago uma alma repleta demais de sensações as mais diversas e fortes para me calar. Importa que o desejo me move e me faz agir como se estivesse completamente embriagada. E quem disse que não estou embriagada? Embriagada pela curiosidade de conhecer quem tem o olhar cheio de mistérios, a quem a recordação do nome me arrepia... Embriagada pela obrigação de conter um toque. Ah, o toque... Incrível como somos, fantástico como somos. O toque... não se trata da intensidade física, mas da intensidade da sensação que provoca o ser a quem se quer tocar... Pior é não poder tocar e a falta de possibilidade do toque intensifica a vontade, que se agarra à mente e se configura em tentação que me consome cada segundo de pensamento...

A quem é dado o direito de construir mapas da alma alheia? A mim é que não deram e não adiantaria nada, pois sou desorientada por natureza e mapas fazem com que me perca ainda mais. Mas eu quero me perder sem mapas, sem bússolas, sem possibilidade alguma de me encontrar de novo no estado de "sem ter quem eu quero", no estado de "não ter de quem necessito" e a mera recordação me faz arrepiar a pele e correr aquele frio quente via coluna que chega a enfraquecer as pernas... quero me perder no terreno do corpo que me desperta sensações que palavra alguma descreve.

E essa proximidade distante me enlouquece. A quem é dado o direito de desenhar alma alheia?A mim é que não deram!! A quem é dado o direito de querer e querer e querer?... A mim me deram e eu quero, quero e quero... e me arrepio e me embriago, mas a impossibilidade do toque... ah, o toque... só de imaginá-lo me atiça até alma. E eu quero me perder sem mapas, embriagada das sensações que até a recordação do teu nome me provoca... sem mapas... o toque... arrepios... devaneios de desejos de te ter...


segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Sobre ser criança...

12 de outubro, dia das crianças... Errando pela terceira vez a digitação da palavra. Incrível, nunca digito a palavra "criança" sem errar... Bem, mas esse não é o assunto da crônica. Hoje, especialmente, estou com uma vontade louca de escrever. Há dias essa vontade me persegue e volta e meia, lembro-me de que, num passado não tão distante, eu escrevia bastante e afirmava com a alma que escrevia para me manter viva. Mas há tempos não escrevo e, coincidentemente ou não, há tempos sinto que não tenho vivido, apenas respirado.

Como sempre, hoje o dia é marcado pelas mensagens, brincadeiras, e os compartilhamentos de frases reflexivas sobre não deixar morrer a criança que um dia existiu em cada um... e blá, blá, blá... é... eu também compartilhei mensagens com isso hoje e o fiz com sinceridade. Embora esteja longe de mim querer voltar a ser criança, não.... não com a infância que tive. Não foi das piores, mas está longe de ter sido boa, tanto que não desejo a ninguém ter sido criança como fui. 

O pior é saber que as frases clichês têm toda razão. Não deixamos de ser crianças nunca. O corpo envelhece, engorda, enruga, prova milhares de sensações diferentes que, em infância geralmente não provamos porque nos protegem, dada a nossa condição física frágil e semelhante a um ser angelical - ao menos na caracterização folclórica e/ou religiosa da coisa. Acham-nos inaptos ao trabalho, ao sexo, às drogas milhares que existem. E de fato, somos. Que bom que nos protegem.

O que é fato também é que o passar dos anos não torna todos capazes de viver tudo isso, ou ao menos parte de tudo isso, sem adoecer, sem morrer em algum sentido. Não são todos que suportam as drogas, são muitos os que fazem sexo e se desconhecem em sua própria sexualidade, e são todos, todos os que morrem de medo de alguma coisa. O corpo muda, mas a criança é a mesma, só que sem o aspecto de anjo. O anjo se transforma em espectro quando nos tornamos incapazes de admitir nossa criança, nossos anjos e nossos demônios, que já nascem conosco, mas os adultos não enxergam. Além disso, quem disse que quando adultos deixamos de temer os fantasmas? Quem disse que nos tornamos seguros? O que o passar dos anos faz é nos tornar um pouco mais hipócritas a cada dia, não menos doentes ou temerosos. E o pior disso tudo é que nossa máscara de adulto nos torna solitários demais para assumirmos quem somos e aí sim, a coisa piora, pois além de morrermos de medo dos fantasmas, morremos também de medo de assumi-los e de pedir ajuda.

Que se dane a inocência!! Não estou escrevendo esse texto para falar dela. Ela, sim, foi embora com o passar dos anos. Ainda que não por completo, o passar dos tempos nos tira a inocência. E que bom. Detestaria ser cega a vida inteira. O problema é que alguns adultos não querem assumir isso e, por essa razão criam a ilusão de inocência. Essa, travestida de candura, ajuda as pessoas a se tornarem imbecis por opção, a tentar enxergar um mundo que não existe só para não terem de passar pela frustração de encarar de frente um mundo que não é como ela queria que fosse. Isso é péssimo. Torna as pessoas vítimas, mas não dos outros, vítimas de seus próprios fantasmas, vítimas de suas hipocrisias mais cruéis e limitadoras às quais, por pura fraqueza, damos o nome de inocência. 

Nisso sinto inveja das crianças. Elas não têm medo da verdade. Elas querem a verdade, buscam-na, perguntam cara a cara, olho no olho: "O que é isso?" "Por quê?" E são tantas as perguntas que nossa limitação de gente que esqueceu que nunca se deixa de ser criança não tem paciência para responder. Por isso, lamentavelmente, ensinamos às crianças a serem como nós. Damos a elas respostas idiotas que, de tanto serem repetidas, elas acabam acreditando. Ensinamos às crianças a terem medo de crescer, a se conformarem com mentiras só porque vai doer menos, a mergulharem na ilusão, a acreditarem que existem pessoas mais importantes que as outras, a agirem por meros interesses, a preservarem a "inocência" e tiramos delas o que de mais precioso possuem: a capacidade única de buscarem a verdade.


sábado, 1 de agosto de 2015

Sobre estações e portos

        Às vezes, a vida é engraçada. Ou melhor, a maneira como a conduzimos torna-a algo peculiarmente misteriosa ou mesmo cômica. Como numa estação de trem, as pessoas embarcam e desembarcam de nossa existência. Cada uma a seu modo, com suas bagagens e respectivos destinos. Há quem arraste pesadas malas, carregadas com o chumbo da má vontade e da inveja; há quem venha leve, feito o andarilho que, sem destino, pousa na poltrona de nossos dias para, pouco tempo depois, ir-se para sempre.
      Seja nos que se demoram ou nos que rapidamente se vão, em todos há uma essência, um vestígio de universo que fica. Eles nunca se vão por inteiro. Deixam para trás uma marca, mínima que seja. Por vezes, o peso do chumbo de uns deteriora algumas partes da embarcação. Já os leves deixam nem que seja a essência de seu perfume, impregnada no ambiente e gravada nas brumas da memória.
Somos universos únicos, peculiares. Alguns são extensos, profundos, complexos, tão cheios de detalhes e melindres que chegam a ter a noção de estarem perdidos em si mesmos. Outros, tão simplórios que nem encontram o caminho, nem chegam a construir estação. Acreditam que tudo termina nas fronteiras de seus olhos cegos. É tanto que passam pela estação da vida totalmente inebriados na hipnose de suas ilusões medíocres.
          Entre os profundamente leves e os que cavam fundo as pegadas no chão de nossas almas, pelo peso que carregam, os primeiros ficam mais e, até mesmo, quando não permanecem. Eles ensinam a liberdade dolorosa de quem ama o impossível. Levemente cavam feridas que saram quando a reles estação progride e se torna nobre porto em que as embarcações do bem abastecem suas forças. Enquanto isso, os pesados de ódio, e sentimentos afins, marcam por pouco tempo, visto que o vento do perdão e o orvalho da misericórdia apagam e lavam as pegadas do mal.
          Não é fácil amar. Desejar é instinto, mas Amor é doação. Nos portos, é comum o silêncio respeitoso e maduro de quem se despede das ilusões. Sim, respeitar é preciso. A todo ser cabe o direito de nos rejeitar e é justo que assim seja. E no mais, o Amor, quando verdadeiro, cura as feridas abertas pelas ilusões, com as doses que a sabedoria do tempo aplica certeiras sobre nossas incoerências, demências, arrogâncias.
          Mas é preciso coragem para assumir a própria alma. Num mundo repleto de estações, embarcações viciosas, ser porto de navegação do Bem é, não raro, remar contra a maré. O que salva é a essência do Bem, a leveza da consciência, independente de os resultados confirmarem, ou não, as expectativas.
           Aliás, viver só de expectativas é perder o hoje, é trafegar por terrenos alheios, sem receber permissão.