Fragmentos de mim: 2019

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

O amor é a resposta

Existem quatro perguntas:
1. O que é sagrado?
2. De que é feito o espírito?
3. Por que vale a pena viver?
4. Por que vale a pena morrer?
E para todas elas a única resposta é o Amor.

Um dos dezenas de trechos do discurso de Dom Juan DeMarco que traduz a profundidade do sentir e a razão maior de todas as coisas. Sem amor e sem amar nada faz sentido. O amor sacraliza quem antes passava despercebido. Que outra razão se não o amor para nos sustentar quando tudo nos levaria a desabar ou quando realmente desabamos?
Por Amor vale a pena viver e vale a pena morrer mesmo, das muitas mortes por que cada ser passa ao longo de uma vida... E quanto mais se ama, mais se morre e, por isso mesmo, com mais intensidade se vive. 

"O Amor é a dor que nos aproxima de Deus", me disse uma mãe, certa vez... Não exige retorno, não invade o outro. Com amor, tudo se paga, inclusive e, principalmente, a falta de amor.  Quem mais precisa de amor se não aqueles que não o têm em si? O Amor é a transcendência de tudo, talvez por isso, para se amar verdadeiramente, às vezes, seja necessário despojar-se de tudo e enxergar além. Amar é exercer o profundo movimento  de desaprender ... É tirar as roupas da alma e construir, para si próprio, o sentido das coisas e das pessoas... 
Quem ama vê beleza onde e em quem ninguém vê. O amor dispensa estética porque ele é, em si mesmo, a essência e a estética perfeita de tudo. O amor é o ingrediente mais seguro para a felicidade, o único padrão perfeito de sanidade.


segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Eu Sou

Sou cor,
Sou luz,
Sou movimento.
Sou a transformação de quem se desconhece a cada nova etapa, e que se perde...
para se reencontrar...
Porque só "os mortos" estão prontos.
E eu sou alma, pura essência da eternidade, trilhando caminhos diferentes e sendo outra ao passar pelos caminhos de outrora.
Se me quiser por perto, não me espere, ande comigo,
Corra comigo,
Grite comigo... Ore comigo...
Porque minha paz é movimento.
Sou mais que a paixão que queima,
Sou o amor, que arde,
Que dói e renasce.
Sou a vida que se transforma,
O sentimento que transborda no grito que silencia e no olhar que fala...
Sou a feminilidade à flor da pele... A amante, a filha, a mãe, a bruxa, a rainha...
Eu sou mulher.

domingo, 1 de dezembro de 2019

A eterna descoberta

Descobrir-se é um caminho solitário e não importa quantas pessoas nos acompanhem.
É sentir cada sensação e provocação do universo ao movimento.
Viver é caminhar... E cada movimento é uma decisão só nossa. Ninguém sente pelo outro, por mais empatia que haja. Ninguém pode viver por ninguém e ninguém pode nos salvar se a decisão de salvação não partir de nós.
 Viver é desconstruir-se...
Sentir cada dor,
Renascer em cada amor,
Desabrochar as nuances mais profundas da alma,
Perder-se e encontrar-se,
Assumir cada erro e cada culpa.
E num processo ao mesmo de solidão e companhia, é nos darmos às mãos e aos abraços que conosco viverem essa sanidade louca de uma busca que é só nossa.

quarta-feira, 6 de março de 2019

Uma prece d'alma

Eu não sou daqui. Sinto-me forasteira em meu próprio berço. Não reconheço como sendo meu o aconchego de minha mãe. Ela o concede por caridade, eu o recebo por necessidade, mas não é meu. Meu mundo é outro... Distante, meu caminho é solitário embora nunca vazio. Os seres que encontro por mim passam apenas. Ninguém fica. São transeuntes em minha vida assim como eu sou no mundo.
Descobri com dores na alma a verdade sobre as despedidas... As mais dolorosas são as que se configuram no silêncio, pois são construídas pouco a pouco, nos pequenos desencontros, nas sintonias que se perdem, nos cristais que se quebram, nas reclamações que cessam, nas palavras e gestos que perdem o sentido e tornam-se desnecessárias, incômodas...
Quando isso acontece, é inútil tentar permanecer e, mesmo querendo ficar, é preciso ir embora ou nos expulsam. São círculos que se fecham no instante em que feridas se abrem... É preciso ir embora, viver a ferida em cada dor e aprender a domimá-la. Caso contrário, ela nos domina.
E o caminho segue, e seguimos carregando o pouco de si que cada um vai deixando em nós, incluindo cada chaga que foi aberta, enquanto enterramos cada ilusão que morre. Sim, porque nenhuma sobrevive... Viver é sagrado e verdadeiro demais para carregar mentiras, por mais belas que sejam. E aos poucos, descobrimos que cada dor foi um presente, porque somos cegos demais para enxergar na alegria, ingratos demais para nos doarmos sem interesses - por mais nobres que pareçam. Somos tolos demais para entender o Amor sem sofrê-lo.
Com um bom tempo de caminhada, percebemos que o caminho só é possível por ser assim, pois ilusões pesam demais para serem levadas adiante; que nos enganamos com nossos afetos e que eles, muitas vezes, se convertem em espinhos que insistem em ferir onde já sangra.... Mas que quando se é verdadeiro com quem se ama, cada cicatriz é uma paisagem, pois não é o espinho em que o outro se converte que nos define, mas o destino que damos a eles...
Sigo forasteira no mundo, sem portar coisa alguma além dos espinhos de hoje...  Sem sensação de pertencimento ao mundo... Sigo leve e em paz, pois não sou daqui, estou passando e aprendendo, seguindo em frente, me doando ainda que muitos se sintam importantes demais para receberem algo de mim... Pode parecer melancólico ou triste... Prefiro chamar de felicidade.


terça-feira, 5 de março de 2019

O voo

Não obstante o corpo de limitadas aptidões, fui dotada de uma alma que voa. Livre feito águia, de asas fortes e olhar embevecido pela vida, meu espírito sempre voou acima de minha realidade, tantas vezes triste, tantas vezes desagradável ou horrível aos olhos da matéria densa, quase sempre ignota às demais criaturas que me cercavam. E assim fiz, e assim fiz-me. 
Voar acima dos precipícios que se me afiguravam medonhos. Voar, muitas vezes, com os olhos fechados, voar para simplesmente sentir a brisa a acariciar-me as faces carentes e solitárias. Nunca estive nos lugares onde vivi e por onde passei, nunca pertenci a nada nem ninguém e nunca tive coisa alguma. 
Voei sempre à procura do impossível carregando na bagagem muitos sentimentos intensos, mas especialmente amor. Talvez, por isso, nada tenha... Ah, o amor... Por ele eu teria criado raízes... Mas talvez eu não quisesse ou não pudesse criar raízes... e do meu mais profundo sentir eu o doei àqueles que se fizeram receptivos e aos que não se fizeram também... Mas doei mesmo assim por perceber que precisavam. É fato que muitos o atiram fora, entendem como sendo pedras as pérolas mais caras do meu coração, mas por ser a força motriz do universo, estou convencida de que o amor não mata nem morre, mas reestrutura-se e redime.
Voei sempre, não pertenço a nada nem nada ou ninguém me pertence e, passados esses anos, minhas asas cansaram. Cessei o voo de fuga de mim mesma e parei diante do caminho. Não posso mais fugir nem ter medo de me ver refletir nas águas de minha consciência, ainda que a imagem seja medonha...
Não posso mais voar, e agora, sinto o calor do chão sob meus pés, contemplo o céu e não sei qual caminho seguir, pois das opções de rota que tenho hoje, a realidade e seus reveses me deixam com medo...
Não posso fugir dos anos que pesam, do silêncio que grita, da solidão que afugenta, da dor das pérolas devolvidas como pedras que me machucam e fazem a alma sangrar.
Não sinto pena de mim, mas queria poder consolar a mim mesma, porque me vejo mulher e menina. Queria poder me pegar no colo em que me consolaria dos choros convulsivos a me dar a certeza de que o mesmo amor que faz sangrar também faz curar, porque em suas multifaces, ele é a única salvação.
Eu queria também ser menos egoísta, queria saber amar sem espera, queria que o silêncio não doesse tanto, que o autoperdão fosse suficiente para seguir sem esses espinhos a ferirem tanto os pés que agora pisam o chão. Eu decidi que vou seguir amando ainda que sem respostas, ainda que com desprezo. Porque entre todos os seres dos mundo, há os que merecem nosso amor e os que precisam dele. Ainda que em total silêncio, ciente da impotência de mudar as coisas, totalmente invisível ou incômoda a quem amo, eu vou seguir sentindo, amando e aprendendo, me redimindo, até além... Até poder voar novamente.

sábado, 23 de fevereiro de 2019

Se...

Se fere, abra mão.
Se feri, perdoe-me, se puder...
Se alegra, viva.
Se alegro, faça-me companhia.
Se estiver triste, me chame.
Se eu estiver triste, me ajude a levantar.
Se sentir vontade de chorar, chore.
Se eu chorar, oferte-me seu ombro amigo.
Se sentir amor, permita-se vivê-lo.
Se eu amo, não se ofenda.
Se não pode corresponder ao amor, não sinta culpa.
Se não pode corresponder ao meu amor, não sinta pena.
Se se apaixonar, confesse.
Se eu me apaixonar, me entenda.
Se te abandonar, perdoe.
Mas não me abandone.
Se errar, assuma. 
Se eu errei, me desculpe.
Se incomoda, fale.
Se eu incomodo, não deixe de me alertar.
Não deixe nada nem ninguém sem respostas. A começar por si mesmo. Por medo ou vergonha de facear nossas verdades, muitas vezes nos escondemos nas sombras das ilusões. Mas ilusões são feito nuvens que passam, por mais pesadas que sejam. Quem nos ama verdadeiramente, nos compreende. Alguém te ama verdadeiramente? Qual a sensação? Por quê?
Ainda sobre nuvens, lembre que elas mesmo pesadas e sombrias, passam... Dissipam-se com o tempo. Sempre prevalecerá o Sol, que acima das nuvens e, majestoso, ilumina e aquecea tudo e a todos, aos justos e aos injustos, aos felizes e aos tristes, aos amantes e aos solitários. Ele é para todos nós, se aquece ou se queima, depende de como nos portamos diante dele.
Façamos, portanto, de nossos afetos um jardim, cultivado e regado com carinho e fraternidade. Mas lembremos que cada flor tem uma alma. Não releguemos nossos jardins ao lodo da indiferença e do abandono. Ou mesmo ao sol, pois é fato que ele aquece, mas também queima e mata as plantas que não recebem água. 
Se sentir vontade, fique, mas se quiser embora,  ao menos diga por quê...

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Elogios diários

Ela estava não sabia há quantos meses em terapia e pouco falava de si. O assunto era ele, seu relacionamento com um homem mais experiente a quem ela admirava e servia. Sim, servia, porque apenas anos e muitas experiências de vida depois é que ela perceberia o quão abusiva era aquela relação.
De si falava apenas "as pessoas esquecem que as crianças tornam-se a adultas". Ela falava isso enquanto os ecos das gargalhadas de escárnio das primas - consideradas bonitas e decentes - e colegas da escola atormentavam-lhe a mente. Foram muitas as situações de humilhação. As mentiras inventadas sobre ela e que, raramente encontravam obstáculos à aceitação de terceiros. Nessas ocasiões, os castigos eram inevitáveis, fossem eles físicos e, mais comumente, psicológicos. Na verdade, ultrapassavam os limites da indecência e imoralidade.
Para continuar os estudos, precisava ficar abrigada na casa de parentes. A exceção de um membro da família, todos os demais pareciam odiá-la. O que era completamente escondido diante das visitas. No íntimo do sagrado lar de pessoas tão boas e mocinhas tão lindas e dedicadas à religião, um verdadeiro inferno se descortinava à pobre menina sonhadora que não entendia tanto ódio e acreditava realmente que era o grande problema. 
"Você é muito porca!" "Sai, nojenta, não quero me sujar perto de você!" "Seu cabelo é feio e nojento." "Burra, incapaz e preguiçosa. Você nunca vai ser nada porque não presta". Era mimoseada todos os dias. Cenas ocorreram em que a priminha linda e pura amassava panelas, quebrava louças enquanto gritava "para de quebrar as coisas. Você precisa ser mais cuidadosa". E ia correndo simular choro para a mamãe fingindo-se de vítima... Ela não sabia se defender. Compreendia-se realmente suja e nojenta, entendia-se preguiçosa embora passasse fome e trabalhasse na roça desde cedo, sob sol escaldante e o contato com as palhas do milho feria-lhe a pele. 
Roupas não tinha. Eram trapinhos herdados das santas ou feitos com carinho pelas limitados dotes de sua mãe biológica que costurava usando restos de tecidos que conseguia comprar por um valor irrisório. Na casa dos parentes, ela tinha muito medo de esquecer alguma de suas roupas no banheiro depois do banho. Certa vez isso ocorreu e a cena foi dantesca. A matriarca da casa pegou com as pontas dos dedos as peças no cantinho onde haviam sido esquecidas e jogou no chão no meio da casa. Enquanto chutava-as dizia que da próxima vez em que aquela carniça ali fosse encontrada, seria jogada no lixo, que era o local correto.
A menina tinha dez anos de idade apenas.  Apanhou do chão e em silêncio suas roupas... Decidiu que não queria mais estudar. Estudar não era pra ela. Ia ficar na roça mesmo. Semanas depois, os santos parentes chegaram em sua casa e disseram que ela era um caso perdido, não sabia ser mulher, era porca e desajeitada. No entanto, como eram pessoas de bom coração, iam aceitá-la de volta em sua casa. 
Ela, que não havia dito nada em casa, viu-se obrigada a voltar ao inferno onde permaneceu por alguns anos, até ser expulsa no meio da noite.
A menina tornou-se mulher, perdoou os que passaram, mas alguns monstros são difíceis de domar. Possivelmente, domar seja o termo mais apropriado. Há quem alimente os monstros até confundir-se com eles. Ela não quer isso. Ela acredita na transcendência e aposta que um dia possa ser limpa em seus sentimentos e intenções. Porque há sujeiras que a água não lava e há feridas que apesar de sararem, têm memórias. Bem, quanto ao relacionamento abusivo, foi só uma folha que, depois de seca, caiu e não faz falta.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Amar e fazer novas todas as coisas

A vida nos permite, todos os dias, recomeçar, mas, muitas vezes, por mera teimosia, optamos pela infelicidade. Falo aqui da possibilidade de recomeços, de tornar, por amor a si mesmo e aos outros, novas todas as coisas que nos cercam e nos ajudam a ser quem somos.
Ciclos se fecham para que novos se iniciem e esse processo é inevitável, especialmente se exercitamos o autoamor. Quando aprendemos a nos amar, há muito do que consideramos tolerância que passamos a ver como abuso. Livramo-nos de relações dolorosas e somos levados a fazer uma verdadeira faxina em nossa vida.
Os outros não saberão nossos limites se não deixarmos isso claro. Se alguém nos despreza no que temos de mais precioso, não deve permanecer conosco. Precisamos aceitar que certas rupturas serão inevitáveis e que as dores e decepções serão maiores cada vez que nos recusarmos a deixar ir embora de nossa vida quem não deve permanecer nela.
"É preciso um profundo exercício de desaprender" disse Fernando Pessoa na voz de Alberto Caeiro. Precisamos nos desnudar de muita coisa e concentrar nossa atenção em nós, naquilo que somos, no que queremos, como também no reconhecimento daquilo que, por medida mesmo de segurança e autopreservação, não podemos mais aceitar. 
Nesse processo, vale ouvir a intuição, perceber os sinais e não fazer vista grossa para aquilo que nos machuca. É melhor que machuque no processo de fazer-se livre do que permanecer com algo que massacra e humilha por mero medo da separação.
Nesse processo de descoberta, podemos levar sustos imensos. Nada dói tanto quanto perceber que o melhor que doamos de nós a alguém é visto como sufocante, sujo e desprezível. Nada fere tanto quanto ser preterido(a), mas também ensina muito. Pode parecer injusto, mas o mais limpo e puro que parte de nós pode provocar asco em quem amamos. Palavras de carinho podem constranger quem sente desprezo por nosso carinho, ou, no mínimo, podem ser vistas como desnecessárias e incômodas. 
Podemos juntar nossas pérolas mais preciosas e entregá-las a alguém que vai simplesmente jogá-las no lixo. É preciso, então, ouvir a intuição, poupar nossas pérolas. E não, o problema não são as pérolas, nem nós que as doamos, tampouco quem não as quer receber, mas é um processo normal da vida: é natural apenas. 
Desapegar é a única coisa que resta. Dá prova de amor muito maior quem admira o voo do pássaro do que quem o prende na gaiola. Não há por que se vitimizar, apenas deixar ir, afinal só se doa aquilo que se tem e ninguém é obrigado a receber coisa alguma. Nem nós. A vergonha e o constrangimento do momento vão passar.
É preciso aprender a dizer não. Amar o outro não significa aceitar tudo que vem dele, muito menos seu desprezo. Guardemos nossas pérolas, perdoemos, mas deixemos ir, recusemos o que nos fere. Digamos "Basta!"


Papo sério

"Nossa, você ainda está solteira? Ninguém mais vai te querer! Está velha!" "Mulher que se respeita não transa no primeiro encontro". "Mulher que se valoriza tem pudores na cama". "Mulher boa de cama não serve para casar"... O moralismo castrador travestido de respeito e valores transformou a mulher retraída e infeliz num modelo ideal de santidade. Ora, tudo gira em torno do sexo, da sexualidade e da maneira como se vive e administra isso. 
Pela sexualidade inclui-se ou exclui-se alguém. E no caso da mulher, define o caráter. Tanto homens quanto as próprias mulheres agem assim e, em nome desse agir, as mulheres mutilam-se, castram-se, deixam-se morrer.
Já vi mulher odiando mulher por julgá-la ser mais bonita. (Eu mesma já fiz isso), já vi mulher afastar-se de outra com medo de ser alvo de uma cantada, porque acha que o fato de uma mulher ser homossexual vai fazer com que ela queira pegar todas. Já vi homem desprezar uma mulher apaixonada por ela ser bissexual e ele ter medo de ser trocado por outra ou não confiar no sentimento dela...
Todos vemos todos os dias mulheres sendo alvo de agressões e abusos os mais diversos por não saberem como sair de uma relação abusiva, por medo de ser mais vítima ainda das acusações e perseguições, sejam do companheiro, sejam da sociedade.
Vivemos em uma cultura que nos ensina a competir como se fôssemos inimigas a disputar um espaço de sobrevivência. No entanto, viver mesmo é dar as mãos, apoiar as pessoas, amar as pessoas por serem pessoas, irmãs de espécie, por terem alma, por estarem vivas. É a causa humana que está em jogo. Detestar e competir com uma mulher por ela ser mais bonita não vai agredir a beleza dela, só vai tornar doente a alma de quem o fizer. Há pessoas mais tímidas, outras nem tanto, mas quem somos nós para julgar?
Que é necessário estarmos vigilantes quanto à maledicência - alheia e nossa mesmo - é indiscutível, mas isso não deveria ser motivos de haver guerras entre pessoas que, submetidas a um rótulo, passam a ter invisibilizados e desvalorizados os seus sentimentos. O resultado disso tudo é estarmos cercados de pessoas, mas continuarmos profundamente sozinhos e sozinhas.
É rejeitarmos o amor de alguém porque, em algum momento, aprendemos que a pessoa não merece nosso amor, ou que ela é capaz de suportar qualquer coisa. Não, ninguém é tão forte assim. Eu não preciso competir com a beleza e a juventude de outra, preciso cuidar da minha; Eu não preciso me submeter a uma relação que me faça sofrer só para não estar sozinha; Nenhuma mulher precisa temer a aproximação de uma mulher lésbica, porque, a menos que ela seja louca, não vai sair agarrando qualquer uma por aí. Os homens não precisam temer - nem deveriam desprezar - o amor de uma mulher bissexual, porque, se ela está apaixonada, não tem por que pensar em ninguém mais senão no motivo de sua paixão. E por mais ridículo que seja, é preciso ressaltar que os sentimentos dela podem ser puros.
Falta-nos segurança sobre nós mesmos(as), falta autoamor e enquanto for assim, vai faltar amor ao próximo. Precisamos nos olhar no espelho e declarar amor para nós mesmos(as). Precisamos parar de nos agredir e de permitir que nos façam isso. Há machismo de mais no mundo, há sororidade de menos. E enquanto isso, todas as pessoas e, em especial, nós, as mulheres, continuamos sendo agredidas, violentadas, pelos outros, entre nós mesmas e por nós mesmas. Seria justo isso?

sábado, 26 de janeiro de 2019

Rompimentos

A vida é um constante recomeçar e nesse processo, não cabem a modorra e a letargia. Feito crianças que fazem birra, reclamamos quando algo não sai como gostaríamos. Sim, rompimentos, rupturas doem. Contudo, se apertamos os nós em vez de estabelecer laços, a ferida será muito mais profunda e deixará sequelas que a poeira do tempo terá trabalho para deixar opaca.
Tal como a borboleta, em sua dolorosa metamorfose, estamos sendo preparados, cada um de acordo com sua necessidade e possibilidades, para vivermos em movimento em direção ao Bem, em direção a voos que exigirão de nós a perda do medo de altura e das vicissitudes que teimarão em nos forçar a queda.
No final das contas, a escolha é só nossa: afundamos na tristeza do lodo pestilencial de nossas trevas ou alçamos voo em direção ao Sol. Podemos nos afogar na dor ou buscar a cura, que normalmente nos exige romper com nosso padrão de melancolia doentia de criança mimada e birrenta. Não, as coisas não são como queremos, mas como precisamos que elas sejam. 
O tempo tudo resolve e nos transforma naquilo que optarmos ser. Optemos por Viver a graça do presente divino de estarmos vivos. Viver é hoje; viver é agora! 
Sejamos fraternos acima de tudo. As paixões passam e sua chama ardente se apaga em curto espaço de tempo. Os afetos da alma, no entanto, permanecem, e o Amor divino nos ampara incessantemente em seu regaço de paz e infinita misericórdia. 
Rompamos, portanto, com o que nos fere a consciência, voemos, tal como o pássaro que se liberta do jugo da gaiola fechada, respirando ar puro e sem olhar pra trás. 
Tenhamos a certeza: "Deus está mais próximo de nós do que nossa própria respiração". 

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Carta sobre cartas

Querido afeto do meu coração,
Torço muito que seu dia esteja sendo de paz e que seu coração seja tocado pela certeza de ser alguém muito amado. Cada carta que te escrevo tem-se feito prece pela sua felicidade e uma maneira de enganar a saudade que sinto de você.
É interessante como a vida é engraçada. Há seres que passam anos ao nosso lado e não significam coisa alguma, já há outros que são como você. O que eu acho mesmo é que alguns afetos já estão gravados em nossa alma mesmo antes de virmos a nascer. Já nascemos amando algumas pessoas e a tarefa da vida é só fazer com que as encontremos.
A vida é perfeita! Afinal, é certo que se pode viver no mundo sem dinheiro, sem sexo, sem posição ou status de destaque, mas a alma humana não vive sem afetos. Somos programados para amar e você é alguém que, inexplicavelmente, nunca me ofereceu dificuldade para germinar bons sentimentos. 
Não se trata de te achar uma pessoa perfeita. Não se pode cobrar isso de ninguém e, em especial de quem se ama. Minha felicidade não depende de você , mas sua existência certamente contribui muito para que meu coração pulse mais feliz, com o calor do amor. Você é como um raio de sol. No mais, quando um afeto é verdadeiro, falhas são detalhes com que se vive num continnum dialético de tolerância, fraternidade e carinho. 
Amar as pessoas é um desafio imenso a cada de um de nós, talvez porque nos desafia a combater o ego. Isso inclui não se importar com reciprocidade, porque o que me define é o que eu sinto e por que o faço.
Meu querido, que seus afetos o façam feliz; que você sempre encontre guarida em corações afetuosos e que jamais se esqueça de que o guardo amparado com o melhor sentir que me é possível alcançar.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Coisas difíceis de entender...

Há um horizonte infinito para além de nossas limitações. Há sensações que nunca conheceremos por mais intensas e múltiplas que sejam nossas descobertas.
Há coisas que são difíceis de entender e o são simplesmente por não as termos acessado devidamente ou, por nunca as termos acessado ao menos.
Somos seres limitados. Só entendemos aquilo que vivenciamos, sentimos queimar a pele e a alma. Muitas vezes, nem assim. Pouco a pouco, fui entendendo coisas que até hoje não compreendo como não enxergava, de tão óbvias que são. Recentemente, percebi que por mais tempo que eu viva, haverá coisas que não vou conseguir entender. Mas sinto-me aliviada por saber que isso é normal. O universo é grande demais para um ser humano entender. No entanto, precisamos desta consciência antes de submeter os outros ao crivo de nossas vivências.
A primeira vez em que esse insight de consciência me ocorreu eu já tinha mais de 25 anos. Eu conversava com uma amiga e ela me disse que eu via o bem nas pessoas na mesma medida em que ele está em mim.
Sinceramente, senti-me incomodada. Não por ela ter me elogiado, (porque foi num elogio) mas por ter parado para pensar em como a ingenuidade nos é danosa. É claro que não se deve buscar o mal nos outros o tempo inteiro, mas atitudes de vigilância são fundamentais, e as possibilidades de nos enganarmos com algumas pessoas são palpáveis de tão reais. E eu tinha a alma desarmada. Pior que isso, ingênua.
O que fazer, então? Bem, os caminhos da busca pelo equilíbrio não são fáceis, mas é preciso arriscar-se e perder a necessidade de parecer esperto. Livremo-nos do ego travestido de amor-próprio e inteligência. Sempre haverá alguém mais inteligente que nós, ou alguém disposto a tirar vantagem de algo ou alguém, mas certamente descansa mais em paz a consciência de quem foi enganado do que a de quem enganou.
Sejamos, portanto, verdadeiros! Quem não fala a verdade para si mesmo vai mentir para todos e vai receber mentiras em troca.
Amor não é fechar os olhos para os defeitos.  Amigos e amores que não suportam que enxerguemos suas fraquezas não durarão muito em nossa vida. Não se trata de se sentir superior e apontar ao outro suas fragilidades e falhas, mas de dar as mãos e seguir juntos. Porém há quem prefira a hipocrisia. E para todos haverá a lei do retorno! É a sintonia! Além disso, o amor-próprio consiste em querer, sinceramente, ser alguém melhor e não culpar o mundo por falhas que só cabe a nós corrigir. Não é autoflagelação ou masoquismo, é consciência das próprias falhas, é honestidade.
O mundo não gira em torno de nós! Ufa! Que alívio! Cada um de nós é só mais um no meio da multidão. Um ser único, cujas necessidades mais íntimas não precisam ser denunciadas para o mundo inteiro; cujo progresso é responsabilidade exclusivamente nossa.
O ideal é que antes de querer o mundo aos nossos pés, busquemos sustentar nas mãos as rédeas da própria existência e do equilíbrio necessário para sermos quem somos, para reconhecermos nossa própria alma. Já é suficiente.

domingo, 13 de janeiro de 2019

Se arrependimento matasse...

Se arrependimento matasse... Ainda bem que não mata, né? Sempre achei interessante a maneira como as pessoas pronunciam essa frase. Geralmente, vem acompanhada de um tom de vitimismo ou arrogância. É como se nunca devêssemos nos arrepender e que, quando isso ocorre, a "culpa" não é nossa. 
É triste como nossa cultura nos ensina errado a maneira de ser forte, aparentar força.  Arrepender-se não é ser fraco. Arrepender- se não é crime!
Pode ser doloroso e deve ser ou não nos propiciará a transformação que precisa. E não, não precisa ser culpa dos outros. Nossos arrependimentos precisam ser nossos apenas. Se o outro tem do que se arrepender, isso não cabe a nós definir. É certo que erram conosco, mas a exceção de manter distância de quem nos machuca, não cabe a nós decidir do que devem se arrepender. 
Não cabe a nós sermos juízes da consciência alheia.
Antes, se alguém me perguntasse se eu me arrependia de algo, eu dizia que não, e,no caso de um sim, ele vinha sempre carregado de uma mágoa do outro.
Hoje eu assumo... Me arrependo de muita coisa. Cometi erros com muitas pessoas e comigo mesma e em diferentes momentos de minha vida. Falei coisas que não deveria ter falado, de maneiras inadequadas. Pensei coisas erradas e tão absurdas que morreria de vergonha caso alguém pudesse saber. Contudo, o mais doloroso de se arrepender é, certamente, não poder voltar atrás e consertar as coisas. 
Não se volta atrás em palavras ditas, não-ditas ou mal-ditas, e as consequências são inevitáveis. Para que serve, então, arrepende-se se isso não conserta as coisas? Uma vez retiradas do lugar, algumas coisas nunca mais voltarão a ser como antes. Algumas perdas são irreparáveis. Algumas coisas são irrecuperáveis. Arrepender-se serve para que sejamos mais prudentes e sensatos a fim de que não continuemos a perder. A fim de que sejamos mais honestos com nós mesmos. As consequências, portanto, são necessárias. Arrepender-se é saudável, é lúcido e em medida alguma nos diminui diante de ninguém ou de nós mesmos, embora assumir isso seja um golpe no ego.
Mas é certo que há coisas das quais jamais vou me arrepender. Jamais me arrependerei de ter amado as pessoas, de não ter sido conveniente sob a necessidade de ter sido hipócrita; jamais vou me arrepender de admitir meus erros e de pedir desculpas ou perdão, mesmo quando o perdão e as desculpas não foram concedidos. Me arrependo das vezes em que eu poderia ter feito isso e não fiz.
Não vou me arrepender de ter deixado abertas as portas do meu coração àqueles que decidiram ir embora. Porque uma personalidade que não se arrepende não acessa a própria essência; porque um coração que não sofre não amou verdadeiramente.