Fragmentos de mim: outubro 2018

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Ilusões

A realidade é um soco no estômago de nossas ilusões. Não adianta se esquivar. É um soco que vem certeiro e não deixa sobrar coisa alguma do que cultivamos sem o alicerce sagrado da verdade.
É inútil esperar que assim não seja. É inútil mentir para si mesmo e racionalizar nossas ou atitudes alheias... porque... feito o ar que penetra os pulmões de um bebê que respira pela primeira vez fora do útero da mãe, a verdade nos rasga por dentro. Nos dilacera e, ao mesmo tempo, nos permite viver.
Não há como fugir da verdade de quem somos nem fechar os olhos para a verdade de quem são os outros, ao menos na versão que escolhermos conhecê-los.
A vida é movimento de idas e vindas, de chegadas e partidas que nos ensinam tudo o que estivermos dispostos a aprender, mas uma coisa é certa: cair é inevitável e não há fraqueza que, mais cedo ou mais tarde, não faceie nosso orgulho e, especialmente, nossas ilusões.
Ilusões são como cortina de fumaça. Dissipam-se tão facilmente quanto aparecem. Mas também, traiçoeiras e reveladoras: analise suas ilusões e descubra quais são seus defeitos, qualidades, sonhos, anseios, medos. Conheça suas ilusões e descubra sua própria alma. 
Com sua mentira inerente, nossas ilusões atiram nossas mentiras- que julgávamos tão escondidas -  em nossa face.
Descobri, com dor no coração, que as manifestações mais nobres e verdadeiras são as mais dolorosas. A verdade dói, o Amor dói, aprender dói.
Doem todos. Doem em tudo. Doem, mas curam, restauram, indicam o caminho certo que as ilusões escondem. E o caminho da realidade, é certo que, muitas vezes, não será o que gostaríamos que fosse. É possível que em vez de claro, seja nebuloso; em vez de aquecido seja frio e que, em vez de me permitir seguir acompanhada eu tenha que seguir sozinha.

domingo, 21 de outubro de 2018

Um chá de semancol

Algo errado não está certo. São muitas coisas que estão fora do lugar ou que simplesmente não existem. A começar pelo coração e pelo caráter de uma massa. 
Desde que me entendo por gente tenho contato com ódio de classes, falta de consciência de classe, discriminação. Algo está muito errado quando as pessoas acham que pobre não é gente, quando as pessoas têm vergonha de assumir de onde vieram e quando o fazem, são julgadas como vitimistas ou negativas. 
Esse ódio ao pobre e às possibilidades de ele galgar degraus em direção à superação das próprias dificuldades é a coisa mais bestial que existe. E eu sei a dor disso. E eu estou com muita raiva disso!
Esses dias, fui tristemente surpreendida com a observação de uma pessoa amiga. Segundo a pessoa, fui interpretada como alguém que se autodeprecia. Estou me lixando para o que acham de mim, mas vejo nessa interpretação de minhas ações um problema muito grave: alguém que se supera e que não tem vergonha de ser quem é alguém que se autodeprecia? O que sabem de mim para falarem uma merda dessas?
Olha só, vamos conversar sério aqui. Deixa eu te falar umas coisinhas... Vai ser só um resuminho...
Nasci numa maternidade, (a primeira da região, pois todos os partos naquela época eram feitos em casa e depois de mais de dois dias de contração, minha mãe ia morrer, então tomaram a atitude desesperada de levá-la à cidade). Imaginem a decepção: eu não era "perfeita". Vivi os primeiros anos da vida isolada numa área rural, cercada de muitas carências, ouvindo as mais perversas frases de preconceito, incluindo coisas do tipo: "se tivesse morrido depois de batizada (religião em primeiro lugar, né?) não faria a menor falta. Afinal não é perfeita."  Só nunca soube o que é carência de Amor. Tive e tenho o melhor pai e a melhor mãe do mundo, que independente de seus conflitos, sempre me amaram sem ressalvas. Até hoje, idosos e cansados, brigam com o mundo para me defender de uma maneira que ninguém mais faria. Eu sei que eles têm orgulho de mim e eu também tenho.
Sou feminista, defensora e protetora de animais, luto pela democracia, sou politizada, espiritualizada, responsável pelos meus atos. Sim, sou uma mulher forte da "poha" e, sim de novo, é um privilégio me ter por perto, porque eu nunca vou ver uma pessoa se ferrar sem fazer tudo que puder para salvá-la antes.
Eu sou a única sobrevivente de uma prole pequena. Sempre tive inteligência acima da média dos que me rodeavam e estou certa de que essa foi a única razão por que muitos me suportaram. Era conveniente me terem por perto. Já fui expulsa da casa de gente que se achava superior e que queria me "colonizar". Deixaria que me expulsassem outras mil vezes, mas não abro mão de minha dignidade.
Então, agora, aguentem. Não serei modesta!
Eu estudei, saí do mato e levei a família junto, fui a primeira daquela região a concluir o nível superior e o fiz com excelência, não sei o que é fazer um vestibular ou um concurso e não passar ou não atingir um ótimo resultado, embora não tenha o menor medo de fracassar. (Já fracassei em outros setores da vida) Sou uma boa profissional, com falhas, mas me garanto muito bem no que faço. 
Desconheço a sensação de tentar aprender algo e não conseguir. (Sei que mais cedo ou mais tarde ela virá, mas não tenho medo. Quebrar a cara é uma delícia. Afinal, a gente monta de novo e do jeito que quiser)

Tenho perto de mim os melhores. Poucos, mas os melhores. Nunca fiz questão de quantidade e continuo não fazendo.

O que chamam de autodepreciação é vitória, autoamor, autossuficiência. Então, se você ainda não venceu na vida, porque nem num vestibular passou ainda, ou está infeliz com as escolhas que fez, apesar de dispor de todas as regalias para garantir sucesso, não venha falar do que nem sabe que existe. Para de passar vergonha com esse seu ódio nojento de classes, que na verdade, só evidencia sua falta de capacidade de chegar onde cheguei.
"Ah, e por que ainda não está rica?", "Ah, isso é mimimi....", "Ah, já deveria ter feito ou conquistado tantas e tantas coisas." "Ah, deveria carregar mais na maquiagem"... e blá, blá, blá... Estou onde eu escolhi estar. Se as escolhas não estão certas, o problema é meu. Cuidem da vida de vocês.






quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Sobre a maternidade

Como muitas mulheres, sonhei ser mãe. A ideia de ter um filho sendo gerado dentro de mim e nascendo de mim germinou em meu coração e, especialmente em meus instintos por alguns anos. Depois, não sei há quanto tempo, abandonei a ideia e passei a fazer parte do grupo das que decidiram não querer ser mãe. 
Os julgamentos vieram e vêm todos os dias. "Como pode uma mulher não querer gerar um filho?" "Amargurada, criatura cheia de ódio. Somente isso justifica não querer ser mãe". Nunca foi isso. Entendam ou não, mas nunca foi isso. Descobri, não sei quando, que pessoas são sagradas demais para virem ao mundo de qualquer maneira e eu não quero ser responsável por tornar infelizes almas que, em algum momento e por algum tempo, dependeriam de mim. É preciso estrutura financeira, psicológica, espiritual para ser mãe. Não basta gerar!
Descobri, no entanto, e também não sei exatamente quando, que estaria fadada a ser mãe mesmo sem querer (sei que não no mesmo nível de intensidade que uma mãe,verdadeiramente) e pensando assim, percebo que a maternidade, bem como a honestidade, a loucura, ou qualquer outra manifestação humana, pode vir em níveis, e que gerar e parir é mais instinto e nem sempre vêm acompanhados da maternidade na dimensão espiritual de ser. Há muitas mães que abandonam seus filhos, que não abrem mão de certos privilégios em nome deles embora os tenham gerado e parido. 
Ser mãe é sofrer por não poder proteger, é ser escudo, é apanhar primeiro para amortecer a dor do outro, ou é sentir a alma estraçalhar por não poder fazer isso. Eu também não sei quando, mas tornei-me mãe em um nível que também desconheço e o percebo cada vez que sofro por não poder guardar de toda ordem de tristeza, dor e agressões aqueles a quem meu coração adotou. 
Como eu queria ser grande o suficiente para poder abraçar e proteger cada pessoa e cada ser que está, agora mas do que nunca, à mercê da violência, da ignorância, da morte, do abandono... Embora eu reconheça que também sou um desses seres que tanto necessitam desse amor e dessa proteção. Carregar esse sentimento é, ao mesmo tempo, reconhecer o quanto sou frágil e o quanto tantas coisas não dependem de mim... 
Lembro-me do Tempo, no filme Beleza oculta, ao consolar uma mulher desesperada para realizar o sonho de ser mãe: "Você será mãe de muitos filhos. Os filhos não precisam nascer de você para serem seus filhos. Eles só precisam passar pela sua vida".

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Sobre o passado, sobre os dias que correm

Assim, do nada, (talvez não tão do nada) bateu-me uma saudade imensa de escrever. Senti saudade da poesia que habitava meu coração em tempos passados. Eu escrevia melhor antigamente. Na verdade, acho mesmo é que eu sentia com mais poesia e literatura os sentimentos que permeavam meu coração. Daí você deve estar pensando "ah, então ela agora está uma pessoa amarga". Não,  não se trata de amargura, mas do tempo que passa e naturalmente leva um pouco de nós para lugares diversos, ao mesmo tempo em que revela um pouco mais de nós do que ousaríamos pensar que fosse capaz de existir.
Mas é verdade, eu acho que eu escrevia melhor antigamente... quando meus sentimentos eram diferentes dos de hoje, embora eu ache que os sentimentos de hoje sejam melhores que os do passado. Algo não mudou: continuo sendo uma péssima fingidora. Não consegui seguir os passos de Pessoa apesar de ser sua fã declarada. para mim, sentir é de verdade e não sei falar do que não sinto. 
E eu sinto muita saudade e eu tenho muito medo. Falar sobre medos e saudades não soa muito bem, não é bonito. Pode ser qualquer coisa, mas sentir medo não é bonito... nem poético. E eu não tenho quem me proteja desse medo, nem quem me guarde num abraço. E isso não é nada romântico nem belo. O medo é terror, destrói qualquer clima agradável.
Senti que pouco a pouco, a vida foi me tornando uma espécie de suporte para muita coisa, mas eu esqueci de construir um suporte para mim e ele agora me faz falta. Talvez, também, não tenha encontrado ninguém disposto a ser meu suporte...
Não se trata de fraqueza, eu sei que sou forte. Não estaria aqui se não fosse tão forte. Nenhum de nós teríamos chegado até aqui se fôssemos fracos ou pelo menos, se não tivéssemos um pouco de força, um pouquinho que fosse. No entanto, o fato é que eu não posso mais contar com meu pai porque ele está velho e doente, embora a menina que ele embalava e colocava para dormir ainda exista guardada dentro de mim. Ela está sozinha, tadinha... aprendeu a abafar o choro e a não reclamar, vestiu corpo de adulta, já apresenta rugas e os primeiros cabelos brancos, mãos de mulher madura, mas continua sendo a mesma menina. Só que hoje, talvez mais medrosa que antes... porque os tempos são sombrios e meu pai, bem... não posso mais contar como antes...
Desculpem, eu sei que já escrevi melhor... no passado, eu escrevia melhor... mas é que hoje é isso que eu sou...
Eu escrevia melhor quando estava apaixonada, quando tinha certeza de que sempre haveria liberdade para me expressar; eu escrevia melhor quando achava que podia mudar o mundo. Não duvido de poder o mundo, mas definitivamente, hoje sei que não posso mudá-lo como antes eu pensei que poderia... e hoje... bem, hoje eu sinto medo. Medo do que virá, medo de não ter um colo, medo de não ter um abraço, porque eu ainda sou aquela menina do passado, não obstante as expectativas de hoje sejam outras.
Hoje eu sinto medo porque apesar da poesia de envelhecer, eu ainda sou a menina cujo pai colocava para dormir, porque a humanidade é fria e isso entra em choque com o calor do meu coração tão cheio e tão vazio ao mesmo tempo. 
Desculpem... eu sei que já escrevi melhor...