Fragmentos de mim: agosto 2015

sábado, 1 de agosto de 2015

Sobre estações e portos

        Às vezes, a vida é engraçada. Ou melhor, a maneira como a conduzimos torna-a algo peculiarmente misteriosa ou mesmo cômica. Como numa estação de trem, as pessoas embarcam e desembarcam de nossa existência. Cada uma a seu modo, com suas bagagens e respectivos destinos. Há quem arraste pesadas malas, carregadas com o chumbo da má vontade e da inveja; há quem venha leve, feito o andarilho que, sem destino, pousa na poltrona de nossos dias para, pouco tempo depois, ir-se para sempre.
      Seja nos que se demoram ou nos que rapidamente se vão, em todos há uma essência, um vestígio de universo que fica. Eles nunca se vão por inteiro. Deixam para trás uma marca, mínima que seja. Por vezes, o peso do chumbo de uns deteriora algumas partes da embarcação. Já os leves deixam nem que seja a essência de seu perfume, impregnada no ambiente e gravada nas brumas da memória.
Somos universos únicos, peculiares. Alguns são extensos, profundos, complexos, tão cheios de detalhes e melindres que chegam a ter a noção de estarem perdidos em si mesmos. Outros, tão simplórios que nem encontram o caminho, nem chegam a construir estação. Acreditam que tudo termina nas fronteiras de seus olhos cegos. É tanto que passam pela estação da vida totalmente inebriados na hipnose de suas ilusões medíocres.
          Entre os profundamente leves e os que cavam fundo as pegadas no chão de nossas almas, pelo peso que carregam, os primeiros ficam mais e, até mesmo, quando não permanecem. Eles ensinam a liberdade dolorosa de quem ama o impossível. Levemente cavam feridas que saram quando a reles estação progride e se torna nobre porto em que as embarcações do bem abastecem suas forças. Enquanto isso, os pesados de ódio, e sentimentos afins, marcam por pouco tempo, visto que o vento do perdão e o orvalho da misericórdia apagam e lavam as pegadas do mal.
          Não é fácil amar. Desejar é instinto, mas Amor é doação. Nos portos, é comum o silêncio respeitoso e maduro de quem se despede das ilusões. Sim, respeitar é preciso. A todo ser cabe o direito de nos rejeitar e é justo que assim seja. E no mais, o Amor, quando verdadeiro, cura as feridas abertas pelas ilusões, com as doses que a sabedoria do tempo aplica certeiras sobre nossas incoerências, demências, arrogâncias.
          Mas é preciso coragem para assumir a própria alma. Num mundo repleto de estações, embarcações viciosas, ser porto de navegação do Bem é, não raro, remar contra a maré. O que salva é a essência do Bem, a leveza da consciência, independente de os resultados confirmarem, ou não, as expectativas.
           Aliás, viver só de expectativas é perder o hoje, é trafegar por terrenos alheios, sem receber permissão.