Fragmentos de mim: julho 2012

terça-feira, 31 de julho de 2012

Sobre beijos e abraços...

O frio é o abraço da solidão,
A lembrança, o beijo da saudade...
O frio é a mais concreta imagem da ausência
E o encontro mais próximo de mim, comigo mesma.

É o frio que, em silêncio, me diz que estou só,
Que devo me proteger e me preservar,
Ele me abraça o corpo e me pede para cuidar da alma
Para que não esfrie também...

A lembrança é a cor do que não há mais
E a certeza de que o passado faz sentido
Tem razão e é a razão de não ser mais...
Dela brota um sorriso ao infinito
Ou uma lágrima lançada ao nada.

A lembrança aquece quando a solidão faz tremer com o frio da ausência.


segunda-feira, 9 de julho de 2012

Estranha sensação de viver

Ela era estranha. Não, não era, mas sentia-se assim. Sempre carregou em si a sensação de que algo não estava certo, de que alguma coisa em si não era normal. Tanto acreditava nisso que jamais sentiu-se como as outras pessoas, ou ao menos, como imaginava que eram as demais vidas.
Estranho como os outros pareciam iguais, normais. Menos ela. Ela não poderia jamais ser igual às outras pessoas, sentir os mesmos sentimentos, pois suas dores eram sempre mais intensas, suas feridas mais profundas, seu amor o mais sincero e sua vida, única e não apenas um número nas estatísticas de mulheres que povoavam aquele país de fama tropical. Sua alma não era tropical, era europeia, de sentimentos clássicos e atitudes de mulher de seu tempo.
Por vezes, sentiu-se entediada. Achava aquilo perda total de tempo de uma vida que voa e, ao mesmo tempo, parece que não acaba nunca. Em seus mudos brigares interiores, questionava-se: "às vezes não sei se as coisas estão de fato sem graça ou sou eu quem não consegue encontrá-la em lugar algum... infinitas horas perdeu com medo de que a vida passasse sem que conseguisse vivê-las adequadamente.
Provavelmente, jamais viveu verdadeiramente. Estava preocupada demais pensando em como fazê-lo. Entretanto, se algo houve de intenso em si esse foi seu amor e seu medo de perder aquele único a quem amou por inteiro.
Amou-o, amou-o com ardor e paixão de mulher, com a grandiosidade de uma mãe e com a pureza de uma criança... e o fez com tanta perfeição e intensidade que momentos houve em que não soube mais como sentir esse amor, como concretizá-lo. Morreu, morreu muitas vezes de amor e saudade. De angústia sofreu cada dia, na ansiedade de vivê-lo da forma correta e na espera de como terminaria mais uma jornada que, embora parecesse rotineira, ela sabia que jamais se repetira. Veio o dia de tudo em sua vida, inclusive o da partida. Jamais esqueceu o dia em que aquele amor se foi para sempre. Parte de seus dias se foram juntos e eles jamais nasceram com o brilho de antes. Outros amores não existiram em sua vida, pois decidiu guardar-se para si mesma, bem como para aquele amor que brotava de suas lembranças, que renascia no silêncio de seus pensamentos e de uma lágrima de saudade.
Dia algum se repete, é sempre tudo novo, embora com cara de antigo. Ela sabia disso e repetia isso para si mesma a todo instante, especialmente naquele em que algo lhe parecia monótono, vazio. Foi mulher jovem, adulta, anciã, mas sempre foi criança. Conservava em si todos os medos de outrora e, embora se portasse forte, era uma menina de face enrugada com medo do mundo e de tudo que ele podia oferecer. Quanto mais conhecia a vida, menos a entendia, mais entregava-se a ela. Quanto mais tinha medo da morte, mais morria em seu medo e sabia disso. Era a mulher das lembranças fortes cujo tempo não apagava nem fazia, sequer, esmorecer. Foi a anciã de 30 e a criança de 70. Morreu em vida, diariamente, e o fez de alma em paz, na esperança de nascer no dia seguinte. 
Renovava-se e renascia a cada alvorecer, embora a cada dia seu corpo passasse a demonstrar, constante e lentamente, as marcas que denunciavam que o tempo estava passando e envelhecendo sua carapuça carnal. E os dias seguintes vieram. 
Vieram muitos e muitos novos dias... até que chegou o último. O cansaço físico clamava por um alvorecer que dispensasse as rotinas - diariamente renovadas -  de estar viva. A vida clamava por ir-se embora ou por  transformar-se. O que viria depois, por ser mistério, causava o medo conhecido da infância e aguçava a tão companheira ansiedade pelo final de cada dia, pois desejava sofregamente saber o que ele reservava para ser confidenciado aos botões, no silêncio doce de seus devaneios. 
E veio a morte: doce e fria, tão forte e sutil, tão experimentada a cada desilusão que a mulher viu-se surpreendida. Não encontrou o desconhecido que tanto temia, mas o conhecido vivenciado a cada crepúsculo. Porque a vida, bem como o dia, possui seu crepúsculo que dura até encontrar a noite e, finalmente, o novo dia. E essa aurora será certamente no lugar onde despertou a mulher, um lugar onde se dispensa o despertar de um novo dia que esmorece após algumas horas.