Fragmentos de mim: Sobre ser criança...

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Sobre ser criança...

12 de outubro, dia das crianças... Errando pela terceira vez a digitação da palavra. Incrível, nunca digito a palavra "criança" sem errar... Bem, mas esse não é o assunto da crônica. Hoje, especialmente, estou com uma vontade louca de escrever. Há dias essa vontade me persegue e volta e meia, lembro-me de que, num passado não tão distante, eu escrevia bastante e afirmava com a alma que escrevia para me manter viva. Mas há tempos não escrevo e, coincidentemente ou não, há tempos sinto que não tenho vivido, apenas respirado.

Como sempre, hoje o dia é marcado pelas mensagens, brincadeiras, e os compartilhamentos de frases reflexivas sobre não deixar morrer a criança que um dia existiu em cada um... e blá, blá, blá... é... eu também compartilhei mensagens com isso hoje e o fiz com sinceridade. Embora esteja longe de mim querer voltar a ser criança, não.... não com a infância que tive. Não foi das piores, mas está longe de ter sido boa, tanto que não desejo a ninguém ter sido criança como fui. 

O pior é saber que as frases clichês têm toda razão. Não deixamos de ser crianças nunca. O corpo envelhece, engorda, enruga, prova milhares de sensações diferentes que, em infância geralmente não provamos porque nos protegem, dada a nossa condição física frágil e semelhante a um ser angelical - ao menos na caracterização folclórica e/ou religiosa da coisa. Acham-nos inaptos ao trabalho, ao sexo, às drogas milhares que existem. E de fato, somos. Que bom que nos protegem.

O que é fato também é que o passar dos anos não torna todos capazes de viver tudo isso, ou ao menos parte de tudo isso, sem adoecer, sem morrer em algum sentido. Não são todos que suportam as drogas, são muitos os que fazem sexo e se desconhecem em sua própria sexualidade, e são todos, todos os que morrem de medo de alguma coisa. O corpo muda, mas a criança é a mesma, só que sem o aspecto de anjo. O anjo se transforma em espectro quando nos tornamos incapazes de admitir nossa criança, nossos anjos e nossos demônios, que já nascem conosco, mas os adultos não enxergam. Além disso, quem disse que quando adultos deixamos de temer os fantasmas? Quem disse que nos tornamos seguros? O que o passar dos anos faz é nos tornar um pouco mais hipócritas a cada dia, não menos doentes ou temerosos. E o pior disso tudo é que nossa máscara de adulto nos torna solitários demais para assumirmos quem somos e aí sim, a coisa piora, pois além de morrermos de medo dos fantasmas, morremos também de medo de assumi-los e de pedir ajuda.

Que se dane a inocência!! Não estou escrevendo esse texto para falar dela. Ela, sim, foi embora com o passar dos anos. Ainda que não por completo, o passar dos tempos nos tira a inocência. E que bom. Detestaria ser cega a vida inteira. O problema é que alguns adultos não querem assumir isso e, por essa razão criam a ilusão de inocência. Essa, travestida de candura, ajuda as pessoas a se tornarem imbecis por opção, a tentar enxergar um mundo que não existe só para não terem de passar pela frustração de encarar de frente um mundo que não é como ela queria que fosse. Isso é péssimo. Torna as pessoas vítimas, mas não dos outros, vítimas de seus próprios fantasmas, vítimas de suas hipocrisias mais cruéis e limitadoras às quais, por pura fraqueza, damos o nome de inocência. 

Nisso sinto inveja das crianças. Elas não têm medo da verdade. Elas querem a verdade, buscam-na, perguntam cara a cara, olho no olho: "O que é isso?" "Por quê?" E são tantas as perguntas que nossa limitação de gente que esqueceu que nunca se deixa de ser criança não tem paciência para responder. Por isso, lamentavelmente, ensinamos às crianças a serem como nós. Damos a elas respostas idiotas que, de tanto serem repetidas, elas acabam acreditando. Ensinamos às crianças a terem medo de crescer, a se conformarem com mentiras só porque vai doer menos, a mergulharem na ilusão, a acreditarem que existem pessoas mais importantes que as outras, a agirem por meros interesses, a preservarem a "inocência" e tiramos delas o que de mais precioso possuem: a capacidade única de buscarem a verdade.


4 comentários:

  1. Bela reflexão, Gorete. Este texto traduz verdades. Nós, os adultos imaturos, muitas vezes queremos transmitir para as crianças, sentimentos de coragem, força, sinseriedade, confoança...mas , crianças são inteligentes e espertas. Elas sabem que somos inseguros, mentirosos, hipócritas e temos inveja delas. Sugamos sua inocência, fantasia, alegria, espontaneidade, franqueza, não para sermos iguais a elas e sim para torná-las iguais a nós: pessoa doentes, arrogantes, preconceituosas, dissimuladas, egoístas, maliciosas e viciadas. Viciadas no ter, ter...espertas no pior sentindo, gananciosas, extremamente consumistas. No fim, surgem novos robôs mais loucos e malvados. Tudo dominado pela droga do desamor que vem marcada bem antes delas nascerem. Tomara Deus, estas crianças percebam e distingam entre o falar e o agir dos adultos e vejam o que funciona para o bem e para o mal e façam a melhor escolha. Parabéns, Gorete, por voltar a escrever. Você faz falta.

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  2. Seu texto abordou muitos assuntos que rendem boas reflexões, para quem se propõe a isso. Sim, porque normalmente, apontamos os erros dos outros sem piedade, mas esquecemos da nossa parcela de responsabilidade. Crianças são seres puros, buscando a verdade e, como são sinceras. E essa fase da infância, é justamente, onde se molda o adulto. Crianças encaminhadas por adultos cheios de ideias limitadas e inflexíveis.
    No fim, todos estamos querendo acertar, cada um ao seu próprio nível de evolução.
    Tolerância! Pra mim, essa tem sido a palavra de ordem. O mundo carece disso. Tolerância em relação aos erros, a cegueira psicológica, as crenças, desejos e expectativas dos outros. Tolerância com a intolerância e, principalmente, com nossas próprias limitações.
    Acredito demais nessa nova geração, cheia de personalidade, inteligência, inquietude, ideias ilimitadas, flexíveis. O mundo está mudando, coisas boas estão acontecendo. Basta abrirmos nossa mente para enxergar. E as crianças nos ensinam muito, se estivermos dispostos a ouvir e aprender com elas.

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