Fragmentos de mim: SER DIFERENTE NÃO É NORMAL

sábado, 6 de novembro de 2010

SER DIFERENTE NÃO É NORMAL

               
 Houve dias em que a sociedade brasileira – pobre sociedade de personalidade midiática – passou a repetir e a argumentar acerca da ideia “ser diferente é normal”. A coisa rendeu tanto marketing que em pouco tempo já era enredo de escola de samba. Embora me tratando de um ser anônimo, senti que minha vida se tornara tema de escola de samba e, em plena Sapucaí, cantavam algo que sempre fez parte da minha vida: a diferença.
                O fato é que, atendendo aos meus anseios de uma vida inteira, aos anseios de querer ser vista como normal, encarei o jargão como sendo um grito meu, como se eu mesma cantasse pro mundo que eu sou normal. Porém hoje, um pouco mais amadurecida, em plena vida adulta, quando as primeiras rugas deixam de ser vistas como degradação e a ideia de velhice passa a assumir uma conotação poética, vejo que tudo que pensei na época foi engano.
                Ser diferente nunca foi e nem será normal. Tampouco significa dizer que ser diferente é ser defeituoso. Ser é diferente é ser diferente e pronto. Nada mais, nada menos que isso. Ser diferente é algo que faz parte de mim e que, por si só, nunca foi capaz de me machucar. Na verdade, acredito que se tem algo que hoje não me faria bem, é o fato de ser apenas mais uma em meio à multidão.
                O fato é que ser diferente não é normal porque nunca foi normal a postura das pessoas diante de nossas diferenças. Ser diferente não é normal porque a falta de capacidade de conviver com o heterogêneo, o verdadeira e autenticamente diferente, fere um padrão de perfeição e beleza que, sinceramente, ainda não encontrei ninguém que o obedecesse de forma incontestável.
                Sei que sou diferente e por mais que minha aparência mude, que minha aparência estética mude e eu me torne finalmente normal, a diferença não vai acabar. Serei eternamente diferente porque as marcas dos olhares “diferentes” que recebo até hoje nunca sairão de mim. Ser diferente, na acepção preconceituosa da palavra, é algo que faz e sempre fará parte de minha personalidade porque ajudou a construí-la. Mas também  porque o ser diferente que as pessoas falam, ou se não falam, dizem por meio do olhar, é algo muito mais profundo que qualquer marca física.
Posso garantir com forte conhecimento de causa que Ser diferente só se torna triste por sermos formados por uma cultura com fortes resquícios de perseguição inquisitória. Sim, é isso, pois sei que teria sido jogada à fogueira em praça pública se tivesse nascido naquela época. Se tivesse nascido no período inquisitório teria, logo ao nascer, minha carne e meu sangue queimados no fogo. Como nasci no século XX, sou queimada a vida inteira pelos olhares penalizados ou admirados de um povo que, vivendo mais de meio milênio após a inquisição, não evoluiu quase nada.
                Tenho uma alma livre. Isso é que faz diferença. Não importa como seja o corpo que eu habite, importa o que eu sou, QUEM eu sou.
A oportunidade concreta de ser normal, a concretização de um sonho de uma vida, tem apenas me mostrado que eu jamais o serei. Às vezes chego a questionar se é isso mesmo que eu quero, pois sei que nada no mundo me ensinou tanto quanto a natureza ao permitir que eu fosse diferente. Mais que isso,ver a minha marca clareando, lentamente, é como ver ir embora algo que sempre me fez ser notada, é ver ir embora algo que serviu de motivo para que me fizessem sofrer... mas que de ruim, de fato, nunca teve nada.
É me despedir de mim, do que eu sempre fui e que me preparou para o que eu serei daqui para frente.
Eu precisei ser diferente para descobrir o quanto valho. Eu precisei ser diferente para descobrir que essa falha não é e nunca foi minha. Eu precisei ser diferente para perceber que isso não é normal e que qualquer campanha que diga o contrário é falsa, é mentirosa, porque ser diferente é ser único, perfeito, marcante, sábio e puro.
Eu precisei ser diferente e ter a oportunidade de não o ser mais para perceber que sempre fui perfeita, que não serei mais feliz do que sou hoje e para aprender que estética nenhuma muda a minha alma.

3 comentários:

  1. Belo texto,Continue assim sendo essa pessoa doce e sabia...

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  2. E o que é ser normal??? Agir de acordo com padrões determinados pela sociedade???
    Ótimo texto! e concordo com você: "Ser diferente é ser único, perfeito, marcante, sábio e puro".

    Abraço.... Denise.

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  3. Maravilhoso!Você tocou exatamente na ferida da sociedade.Sociedade que dita um padrão que na verdade não existe, pois cada um é único, nada se repete na natureza!

    Um grande beijo.

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