Fragmentos de mim: A bala de café

domingo, 21 de agosto de 2016

A bala de café

Sou pessoa de ícones. Cheiros, palavras, imagens, tudo me marca e cria uma cadeia incrível de conexões entre si. Assim, em questão de milésimos de segundos, algo aparentemente insignificante me transporta para algo profundo, perdido em algum lugar no tempo e no espaço. 
Nesses momentos, rejuvenesço, viajo para lugares do passado, ressuscito pessoas e acontecimentos que não posso mais tocar. Assim tem sido com a bala de café. Meu irmão partiu desta vida... não sei como explicar, mas eu já sentia sua ida antes de todos... também é inexplicável o espaço que a ausência dele provoca. Algum tempo antes de ir, já não ouvíamos mais tanto a sua voz nem seu sorriso... ai, a bala de café... Ele havia sido diagnosticado com pneumonia, estava na UTI, e na quinta-feira eu fui visitá-lo. Sei que ele estava consciente e sentiu minha presença, percebi sua inquietação... eu me aproximei silenciosa, contemplava-o silenciosa, num choro mudo, estava gripada, tinha receio de piorar seu quadro. 
Como foi difícil deixá-lo ali sem abraçá-lo. Minha vontade era de agarrá-lo e curá-lo com meu amor. Mas eu sabia que não era possível. Ele, pedaço de mim, ficaria ali, sozinho, sem meu abraço, apenas com minha despedida, que Deus o abraçasse por mim e o conduzisse aonde a dor ficasse para trás... Na volta, ainda no carro, um amigo da família ofereceu-me uma bala de café, que como quase todas as balas que me ofertam, ficou esquecida no fundo da bolsa. (não sou pessoa de consumir balas, acabo recebendo-as em nome do carinho da pessoa que me oferece). 
Bem, o fato é que a bolsa ficou esquecida por algumas semanas e ao remexer nela, encontrei a bala... instantaneamente, transportei-me ao momento em que a recebi e, naturalmente, vi-me mergulhada nos sentimentos daquele dia, quando eu era a irmã mais velha e não a filha única... a esperança do meu pai de que ele sararia (a minha certeza de que ele não pertencia mais a esse mundo), ah... e a minha vontade infinita de dar aquele abraço que não dei...
Não tenho coragem de me desfazer da bala, também não a consumi... e sei que mesmo que o faça, ou quando o fizer, toda bala de café vai me fazer viajar no tempo e sentir de novo a vontade daquele cuidado que não pude oferecer...

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